Natal do Coração
Natal é espírito em sossego.
Amo o Natal, sempre. Tem cheiro de memórias e cor de amor. Será eternamente, para mim, aquele momento em que a casa se enche de gente, amigos, família, vizinhos, e pela noite dentro se contam histórias de pasmar, de aventura e coragem, como - recordo sempre - as dos fusileiros amigos, protagonistas de vidas fascinantes, errantes e quantas vezes engraçadas - com giboias tomadas por simpáticos troncos de árvore a sugerir um descanso, ou encontros imediatos de respeitável grau com crocodilos lá pelo lodo dos rios - que se "entrincheiravam" lá em casa a toda a hora e tornavam a nossa vida num livro de aventuras. Ou como as de todos aqueles casais que, com os filhos no colo, muitos tão longe de casa mas outros em terra própria, em união partilhavam saudade, esperança e ternura, por horas inesquecíveis. Era uma casa de toda a gente, amiga, sem fantasmas de "distinções étnicas". Foi em África que o Natal grande, solidário, preenchido, com aroma de doces e amor, se gravou para sempre no meu imaginário. Porque era menina. E para uma criança, descobrir a surpresa que traz cada presente do Menino Jesus num tal cantinho de cumplicidade, de alegria e paz, é a felicidade encantada.
Natal é também árvore bonita, enfeitada com neve de brincar e bolas coloridas de sonhar, como as de Gedeão, mais uma Estrela Maior que do alto nos ensina mais caminhos. E é, será para sempre presépio, para mim, porque Natal é nascer.
Eu, nasço todos os Natais: mais feliz, mais crédula, menina outra vez. E é assim que olho o mundo, que revejo todos os amigos, os meus amores de uma vida: inocentes, para sempre.
Natal é papel pintado e fitas de mil cores, restos de confusão espalhados pela casa. É azevias, feitas pela mãe, noite adentro, porque a tradição diz que sim e ela acha que é assim que saberão mais a amor. E é acordar a meio da noite, numa inquietação de gula, filha e eu, em excursão pela cozinha, de volta à cama de prato cheio. E é um responso com sorriso disfarçado, de mãe que se depara com um matinal rasto de açúcar.
Natal é lembrar o Outro, com coração apertado e aquele nó na garganta que se instala quando constatamos que afinal não chega para, nem a todos. E foi, outras vezes, o caminho percorrido com alguns outros, de boa memória, por essas frias ruas da Lisboa em Dezembro, levando, aos cantos mais escuros porque mais abrigados, a sopa quente de aconchego ou o cobertor providencial, a quem neles encontrava morada. Com a certeza final de que não era aquele o Natal de Jesus.
Natal é neve. E é calor. Neve porque o sonhamos branco. Calor porque o coração aumenta. É canção de sinos e é um beijo sentido: dado sob a árvore, ou ao ar livre do mundo.
Sou mais feliz no Natal, sim, porque tudo nasce bonito, e passa pelos meus olhos.
No sapatinho, eu só pediria uma coisa: justiça. Em todos os lugares onde está omissa.
Não sei até que ponto consigo passar-vos esta ideia de plenitude que este momento do tempo, a cada ano, me empresta. Mas é muita. É uma felicidade de criança, que bate as palmas de júbilo e ri de gargalhada solta. E é essa que quero partilhar convosco. Por mais triste que seja, como poderia considerar o meu Natal de hoje, ele é sempre o que é, grandioso e inigualável, quando cresce no coração.
Aos meus amigos queridos, a minha família bonita e amada, as crianças do mundo, os sem-abrigo, os enfermos, os idosos sem família, os "cuidadores" de doentes, os reclusos, os solitários, os esquecidos, os animais abandonados ou perseguidos e, por fim, a todos os seres que de algum modo aprenderam a esperança, eu gostaria de poder oferecer um NATAL como aquele que me vai no coração.
Beijo feliz!
Ana Vassalo
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