
Do Silêncio que nos Grita
Há silencios repetidos na palavra que desfere,
que crava o ferro
e finca a garra
e rouba o chão,
e pisa mais um rasto de evasão
no destino interrompido que nos espera.
Porque há palavras finais
que atacam de súbita doença os murais
da nossa alma, um dia branca, agora feia,
fervente, na dúvida que nos enleia,
de violência acossada,
p'la infância subtilmente assassinada.
É o silêncio repetido do que lança
da masmorra de dor adiada,
mimetada, irreconhecida, dolorosamente crua
no inferno experimentado,
o verbo feito punhal, que dilacera a carne sua,
e se transvia no Outro p'la urgência do descanso.
E é também o silêncio do que ouve
e entontece no descrédito,
amarfanha e deita fora, como quem mata o que soube,
o golpe rasteiro, a chaga como um rito
na pele sobrevivente do que já foi unidade,
desacerto no presente fraccionado da vontade.
É o espelho de nós
reflexo na razão outra que nos mira, quando a sós
nos surpreendemos cruéis na batalha que sucede,
áridos, no retoque que se perde.
É o silêncio repetido dos abismos
ressonante no eco da vastidão,
do tanto que fomos idealismo,
do que seríamos, em projecção.
Da viagem abortada ao centro do amanhã,
do incomensurável talento da renúncia,
da morte adiada por inépcia,
de todos os fins reunidos p'la manhã.
Há silêncios repetidos na palavra que não pensa.
Porque fere, porque dói e arremessa
pelo vento, desprevenido no caminhar da rosa,
o sopro último da nossa crença interdita
- ensaio do alívio, pela dor que é transferida,
exorcizando no espelho a morte que é já nossa.
Urgente é o andar para a frente, que nos falha,
eventualmente a razão,
o salto na conquista da muralha
na memória em cicatriz,
o tímido aceno de um lugar que foi feliz
e o reflexo escreve a História, que reconhece a missão.
Que sobrevive a cruzada,
lambe a ferida perpetrada,
desfragmenta o efeito
e concilia o embuste,
arrasta, por nós, um tempo de reajuste
na saudade da palavra conjugada no perfeito.
Mas é só repetição, avanço de contra-asa,
mecanizada nos mil anos já somados
de silêncio, recolhido em nossa casa,
num bairro antigo de pilotos magoados.
Neste silêncio de feras acorrentadas no frio,
é finalmente gelada a minha alma de ferir,
sequestrada nestes olhos, negros de resistir.
Ana Vassalo
25-08-2010 - 00:25
Origem das Imagens: site "autreach.backpackit.com".
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