As flores nos telhados
Miguel Esteves Cardoso
in Público, 09/05/2016 – 00:30
Maio chora e chove o Verão que aí vem. Maio é um raio de um mês e está contra nós.
Descem cataratas do céu, de água má, que nos tinge a pele da
cor daquilo que vestimos para nos proteger da chuva.
As flores nos telhados não querem saber. São altas e
cor-de-rosa. Levam com a chuva toda mas bebem-na. Ajuda-as a crescer.
Jogam como ela, como psicopatas, que todas as plantas são.
Hei-de morrer sem conhecer a inteligência da primavera. A arma
secreta é enganar-nos que, com cada ano que passa, ignoramos um
bocadinho menos. É mentira. Não. Nem sequer tem a dignidade
intencional de uma mentira. É um sucedâneo da nossa
estupidíssima ambição de compreendermos onde estamos metidos.
Que sonho seria – que bom para as nossas garagistas auto-estimas
– podermos pensar que Maio, como o único mês totalmente
primaveril, é um embuste inventado para nos dar a volta.
As flores nos telhados da nossa casa e das casas à nossa frente
crescem porque não precisam de nós. Ajudam-nos a sermos humildes,
se tivermos juízo.
Ter juízo é aprender a pensar que, por muito indiferentes ou
importantes que sejam as nossas fantasias do que valemos e das razões
porque nascemos, tudo o que aconteceu, acontece e acontecerá não
depende nunca de uma única pessoa: sobretudo daquela que todos
pensamos ser.
As flores no telhado singram. As cores sangram de tanta vida. Os
pombos conspiram com elas. A beleza é a única justificação. O
amor existe. Mesmo sem seres humanos. É assim.
Ana Vassalo
Mai 9, 2016
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