Bom dia, Mãe!
Já não tenho os poeminhas, como em
criança, que garatujava em papeis bonitos para te oferecer neste
dia, dividida entre entusiasmo e ansiedade pelo teu beijo de gratidão.
Hoje, tenho os gestos, os poucos que sei. Que não chegam para te
agradecer.
Trago notícias, sabes? A tua mana Rosa
foi-se embora. Despedimo-nos dela há dois dias. Não, não sabes e
ainda bem que não, querida Mãe. De certo modo, acaba por ser melhor
para ti essa margem que te abriga do real. Não sei como suportarias
o mundo se cada hora destes últimos oito anos te fizessem saber que
te levaram as asas, o passo, a voz, meu Passarinho de todos os céus,
que foste e serás para sempre.
Contavam-me as tias, quando eu era
pequenina, que o vosso pai, avô que nunca conheci, te chamava “minha
menina dos olhos belos”. Sábio homem, quanta sensibilidade.
Sabê-lo habituou-me desde cedo a olhar-te bem, nesses olhos feitos
de terra e água, verdes ou mel, acompanhando os dias. De raizes bem
firmes, com sonhos de navegar.
Grandes, imensos, de amor e renúncia.
Jamais conheci outro alguém com tamanha capacidade de amar, de tudo
compreender e perdoar. Estás em paz com o mundo, não lhe deves
nada. Já ele, tudo te deve.
Não sei, mãe, já não sei como
dizer-te o amor. Estás tão longe do universo das palavras... Só os
olhos tudo abarcam, a guardar momentos, que eu sei. Essa ternura
criança, espantada de inocência, que me olha sem me saber... És
outra vez menina, sou eu a tua mãe, agora, para ti, nestes anos de
ausência que não procuraste. Ou era, porque as palavras, hoje, para
sempre te perderam, em som e alcance. Por isso, não vale dizer-te a
saudade funda que tenho do teu abraço de conforto, dessa asa de
abrigo incondicional, ou de chamar-te Mãe, pensando que sentirias o enorme
significado que o teu nome tem para a Vida.
Mas nada importa senão o saber-te aqui, que continuamos juntas, de mãos unidas
rumo ao incerto. Sempre assim foi, não é? E há-de ser. Unidas, mesmo que num
tempo de longe que é hoje o teu dia de cada dia.
‘Ó minha mãe, minha mãe,
Onde estás que estou sozinho
Estou sozinho no mar largo
Sem medo à noite cerrada.’
Sem medo, foi o tanto que aprendi, pelo
teu gesto de uma vida. É o que me vale, mãezinha. Não sei como
agradecer-te, não encontro nada de suficiente grandeza e justiça para o expressar. Amar assim, tanto que me fere os dias, é
mais fácil, apenas porque é o natural, em ti, para ti. Sentir-te.
Gente maior que sempre foste, até ao último dia de te saberes mãe
de alguém, mulher de alguém, vida de todos.
E apesar de tudo, eu sinto que estás
agarrada à vida. E por isso peço que continues comigo, a zelar
pelas minhas horas de menina, perdida que seria sem ti. Tudo no teu
olhar torna mais fácil o mundo de outros. Caminhar é tudo o que não
podes mas ensinas todos os dias. Gente maior que és, até ao fim.
Que de Amor jamais te esgotaste, Minha
Menina dos Olhos Belos.
MINHA MÃE (ZECA AFONSO)
Cover: Serenata Monumental - Queima das Fitas Coimbra 2013
YouTube: "Coimbra Canal"
Maio 1, 2016
Dia das Mães
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