Café cheio, se faz favor. E já agora,
a escaldar.
Feito: 60 cêntimos de calor.
Energia: visto, comprada. Está paga,
posso vesti-la,
entregar-lhe a amnésia de um corpo que costumava
ser meu.
Do efeito não sabemos, que comerciar é
enigma, o
risco de ser-se epílogo.
Mas chama-se a musa. Que comparece em
negativo:
lúcida-clara-vigil, sem rasgo de sonho
à vista. Vulgar
e feia se aceita - passeia a chama
perdida que nem o
inferno sabe...
Estamos bem, a calma reina: despovoa-se
da palavra
qualquer rasto de alma com vida, e somos
uma outra
espera, sem o nome, no apagão da
vertigem.
Tudo cala, na casa da fantasia. O luar
não faz maré e
rebenta a praia só e farto, na falésia dos silêncios.
Sobram os vultos dançantes por folhas
cansadas de
outono, restolhando a escuridão - que
ainda cantam,
às vezes, sem querer, a solidão dos
orvalhos. De
resto, não sabem vida.
No caminho, jaz a migalha: referente,
generosa, que
largámos da prudência num dia de nos
pensarmos.
O fado soa de aléns, onde a alma já
cantou. Para-se
o pé do cansaço e a pena morta
escreve um pássaro,
preso à mão, e o olhar supõe-se vivo: repetidos
somos vivos, respiração do instinto que sobrevive
o
permafrost.
E o retrato engana a luz, na mistura já
antiga: somos
amor em memória, refugiado do frio que
já nem
sabe quem fomos.
Só as musas, que não dormem, sabem
que o sonho
aterrou.
E partem, leves. Indiferentes à geada.
Ana Vassalo
(Imagem: “Snow coffee”, in Dark Sky
Magazine)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Comentários: