NETOS
JOÃO - MARIA ANA - PEDRO
REMARKABLE PEOPLE
(Lisboa, 1888 - 1935, Lisboa)
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
************
"I am nothing.
I will never be anything.
I cannot want to be anything.
Apart from that, I have in me all the dreams in the world."
or...
"I am not nothing.
I will never be nothing.
I cannot want to be nothing.
Apart from that, I have in me all the dreams in the world."
(Álvaro de Campos in "Tabacaria")
LISBOA - Chiado
PLAYLIST TODAY
MUSIC IS THE PASSION REPORT
♥ ♥ ♥
PLAYING SOFTLY WHILE SOMEONE SANG THE BLUES
Saturday, Jul 22, 2017 - 17:57
SALVADOR SOBRAL - NEM EU [DORIVAL CAYMMI]
YouTube – "Salvador Sobral"
ANTONY HEGARTY + LEONARD COHEN - IF IT BE YOUR WILL [COHEN]
YouTube – "Oggmonster"
CHAN MARSHALL (CAT POWER) - I'VE BEEN LOVING YOU TOO LONG [OTIS REDDING]
YouTube – "anaruido"
JANIS JOPLIN - ME & BOBBY MCGEE [CHRIS CHRISTOPHERSON]
YouTube – "ThE DuCk"
JEFF BUCKLEY - LILAC WINE [JAMES SHELTON]
YouTube – " roberta panzeri"
DAVID BOWIE - WILD IS THE WIND [JOHNNY MATHIS]
YouTube – "Peter Music HD"
_____________________
LEANING INTO THE AFTERNOONS by PABLO NERUDA
«Inclinado en las Tardes»
YouTube - "FourSeasons Productions"
CHANGING BATTERIES - OSCAR WINNING ANIMATED SHORT FILM
YouTube - "Bzzz Day"
DIALA BRISLY - A BEAUTIFUL YOUNG LADY
(a huge thanks to my daughter who e-mailed this video to me)
BBC Newsnight
«Syria is devastated by five years of war - and it's taken a huge toll on the country's children. Here's one woman - artist Diala Brisly - who is trying to make life that little bit more bearable for Syria's kids.»
Syria is devastated by five years of war - and it's taken a huge toll on the country's children. Here's one woman -...
Publicado por BBC Newsnight em Domingo, 20 de Março de 2016
A JOURNEY BACK TO ENDEARMENT
FLYING A SECRET
I got here to hide. From equations and patterns. From repetition, after all.
Closed the door and got me a special place where I thought I could
somehow sit close to the stars. But I soon found out that the sky was
still opaque, no matter what the steps. And so I left. Again.
I thought, then, I could build me a different ceiling, a new-coloured scrap
of highness. And then make it work. Where I could dream, more than I sleep.
I have long decided that sleeping is overrated - that I know for sure. So I
take that time instead to travel the night alone and in the meantime I allow
myself to fly, unlike stated before... Yes, I like playing with paradox, to
expose the inside of words and the revelation of writing down the voice of a
silence. My adventurous, ever-walking silence.
So I came back. Here, within this quiet world, I intend to gather all my
things usually kept hidden or inactive. They are here to speak.
And since the future is a stand-by secret, I want to live by a precocious
clock, at every running instant of every entering second.
And I will not slow down until my "future exists now" - kind of reverse
quoting Jacob Bronowski.
Ana Vassalo
in my site "CAFEÍNA"(former "No Flying Allowed")
Nov 11, 2010 - 11:54
THE WALK OF TIME
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
terça-feira, 23 de agosto de 2011
PRECARIEDADE
“Quando puderes dizer o teu grande amor
deixa o teu grande amor de ser grande...”
Fernando Pessoa
(Dedicado ao Amor, o próprio)
Precariedade
Que saio sim
na porta que foi ficar
e volto nos troncos caídos
da jangada posta em rumo
ao fim do que não conheço
Que abro os braços de rompante
asa imensa de partir
e agarro o ar que me sopra
e empurro céus de um só tempo
Que desisto na jornada
e invento mais paragem
onde desço da ternura
E os olhos fecham galáxias
de metáforas por viver
no teu rosto prometido
que foi beijo renovado
Que as raízes do meu chão
crescem do longe de ti
terra de encontro até mim
que piso na despedida
Que as palavras que não sei
de não respirar sem as tuas
se apressam de outros sentidos
antes vestidas de nunca
já depois de renascer
por um instante
… sem história
E a barca sem horizonte
se afasta de margens fartas
e num pedaço de areia
perene de ser abrigo
rasgada do que há-de ser
arriba com mar de fé
ao cais ateu do futuro
Que a luz certa do teu corpo
corre as ruas da cidade
teia aberta
que é paisagem de janelas
num infinito cerrado
Que a sorte e a estreia
o sentido e a convicção
do sim profundo das mãos
mais a dúvida que se despe
vêm de lá
de ti e por ti
livro de páginas mais certas
que me adio de escrever
Pois se não quero de ti
mais do que a alma conhece
- tão pouco de ser já tanto...
E se um dia me acordar
das palavras por dizer
sabes...
nada de ti restará
e a noite terá razões...
Fico por cá
meu amor
onde o coração se aumenta
num silêncio que te ofereço
de breves eternidades...
Ana Vassalo
12-Agosto-2011 - 22:15
Origem das imagens: Google (wordpress.com)
Etiquetas:
Amor,
Fernando Pessoa,
Poesia,
Precaridade,
Silêncio
sábado, 20 de agosto de 2011
PORTÕES
DIÁRIO SEM COMPROMISSO
19-Agosto-2011
PORTÕES...
Zezé não vai... ficas em casa. E não se fala mais nisso.
Ele não vai porque não quer, mas eu quero ir, mãe!
Sozinha, nem penses! Vê lá bem isso com ele, que não vais para tão longe sozinha.
Não é longe, é já ao cimo da rua! Zezé está zangado, não vai só para me arreliar, mãezinha... E eu quero ir ver o "Ronco", que há tanto tempo que não há!...
Muito bem... Vê então se consegues convencer o Zezé a vir até aqui, que eu peço-lhe para te levar, está bem assim?
Não! Estamos zangados - ele não iria e, mais que certo, divertir-se-ia por muitas luas a massacrar-me, não podia ser...
Nada feito, querida...
Não percebo, mãezinha, o que é que tem o Zezé ir? Ele é pequeno como eu, porque é que ele tem de ir?
A diferença, minha menina, é que quando ele vai juntam-se sempre os vossos amigos todos, e assim já são um grupo... E além disso, ele é um menino, é diferente.
Porquê?
Porque sim, vá, já chega.
Porque sim, porquê, mãe?
Porque eu disse. Já te expliquei tudo, não queres perceber...
Vou falar com a Vovó Firmina... Pode ser que ela o convença... Pois é... e ela está sempre do meu lado, que ele é um bruto...
É agora um bruto! Então? Que é que aconteceu? Vais-me contar ou não?
Não.
Tu é que sabes...
É o portão...
Que tem o portão? Qual deles?
O nosso.
Nosso?! Nenhum dos portões é nosso, onde é que foste buscar essa ideia? São ambos de todos nós, que nosso?...
NOSSO, sim! Se o outro está do lado dele e ele diz que é dele, este do meu lado é meu!
Bom... Já te disse que não... E como é que vocês se vão zangar por causa dos portões?! Não têm mais nada para fazer? Porque não vão brincar, que é mais útil? A propósito... porque não vais tu brincar? Estás há tanto tempo em casa, coisa mais estranha... Que é que se passa aqui?
É o portão...
Outra vez??? Mas é o portão, como?
Ele não me deixa passar pelo dele, eu prendi o meu. Atei-o. Com cordas...
Como??? E... o "teu"???
E os doces, enormes olhos, que eu conhecia da cor do mel, ficaram de repente pequeninos... e escuros... que eu tambem conhecia, às vezes...
Foi! Prendi-o. Também não passa por lá.
Vai já desatar as cordas do portão, se fazes favor! Imediatamente!
Não posso, mãe... Se eu tiro, ele passa por lá e ganha... e eu não quero...
Não podes? Isso tem muita graça, mesmo! Vais e é já a seguir!
Baixinho, baixinho, falava a minha mãe...
E agora é que não vais mesmo ver o Ronco! Estás de castigo.
Pois é, mãezinha... E ele ganha de todas as maneiras, não é?
Mas tu só podes estar louca, menina! Isto é alguma batalha? Vocês são tão amigos, que é isto agora?
É o portão, mãe...
Jurei a todos os que conhecia e também aos que não, um regimento de santos, que não abriria o portão. Agora já era guerra, sim. Nada de Ronco, nada de portão!
Fui-me enfiar no quarto, o cão atrás de mim, como única companhia autorizada... Pelo menos esse, estava sempre comigo....
E a minha mãe lá se esqueceu da história com portas, de tanta obrigação que tinha ainda por cumprir, nos seus sempre longos dias.
Do mato, chegava o som dos tambores, que às vezes queriam dizer chuva.
A minha mãe saíu, foi lá ao lado, dar uns passinhos de conversa com Vovó... Era a minha oportunidade! Única! Mas estava apenas de calções, sem mais nada vestido. Calção era vestido de criança, por ali... E de chinelas, também (raridade... a sorte estava comigo). O resto da roupa no quarto ao lado, interdito, naquele momento ou arriscava-me a encontros... E eu a ter de ir ver o Ronco, que, depois, sabe-se lá quando voltaria... Era tão lindo!
Caras pintadas de mil cores e desenhos, pulseiras, tantas, nos braços e pernas deles e delas, as tangas com saiotes de fitas que voavam movimentos, o batuque dos tambores, e a dança, a dança... E mais as missangas, tão lindas! Perdia-me por elas, andava sempre toda atada.
E a chuva, já a cair e a bater suavemente nas vidraças - um suavemente muito provisório, já se vê...
Gostava tanto daquela chuva! Chuva também era festa! O calor queimava, ela era sempre bem-vinda, desde que não trouxesse barulho de trovoada, que era assustador, de rebentar os céus...
Quando Zezé, Mindinho, Neti e Zaida estavam por perto, corríamos desenfreados para a rua, larga de palmeiras, cada um armado de lata grande e vazia de fruta, a caminho do único destino que conhecíamos: cantorias, palmas, gritos e mais gritos, e corpo de baile, pois claro! Alinhadíssimos (...), ali, debaixo do dilúvio...
Depois, eram as latas a entrar em acção. Apanhávamos a água que rapidamente se tornara em cascata no bordo do passeio, altíssimo, e vá de as despejar inteirinhas pela cabeça do parceiro... Próxima leva, era mesmo sobre a nossa, própria. E mais tralala e gargalhada! Fugíamos, depois. Era costume. Ultrapassávamos invariavelmente a fronteira autorizada... Era o nome da alegria, assinado por nós, sem dia de descanso.
E agora? Já chovia tanto, e eu de calções... Mas a mãe estava ainda do outro lado. Acabadinha de chegar dos seus trabalhos, a voz da tia Ricardina indicava que ainda me restava um tempinho... Riam muito... Teria a minha mãe mudado de ideias e convencido a Vovó a falar com Zezé?... Devia ser, que ela acabava quase sempre por me perdoar...
Já ouvia os rufos lá em cima, agora do outro lado, vindos da cidade, da praça do palácio do governador – era sempre lá, a festa...
E ouvia agora também o riso da Vovó. Gostava tanto dela, com os seus cabelos de neve sobre a pele castanha de ouro, ali, à tardinha, a cortar manga e coco para os seus ansiados doces caseiros, sentada sob o alpendre, na cadeira de balanço... Sorria para nós, que brincávamos, sujos, na terra, perseguindo pobres lagartixas e minhocas, que a seguir dispúnhamos meticulosamente sobre a cabeça do parceiro mais próximo, por entre as mais despudoradas e sádicas gargalhadas.
Quando subir aos telhados não era possível, por demasiada presença adulta nas imediações, telhados esses que nos serviam de rampa de lançamento para as mangueiras de onde roubávamos as mangas, antes do tempo, verdes ainda, pois claro, para depois comermos cá em baixo, Vovó Firmina era a salvação. Mas trazia preceito agarrado. Tinhamos de formar fila, para que ninguém levasse a melhor sobre os restantes.
E nós, que só a ela obedecíamos, lá ficávamos, ali, todos perfilados ao milímetro, esperando a chamada pelo nosso nome para recebermos um pedacinho de coco e outro de manga, cada um, e depois juntarmos num pratinho de onde comíamos em partilha, sentados no chão, em rodinha.
Não era assim tão importante, o repasto. O ritual, sim. Aquela filinha em frente da Vovó, sei-o hoje, era a nossa homenagem de ternura ao seu coração... Era linda, na sua idade, nunca levantava a voz, o sorriso mais bonito pertencia-lhe e oferecia-nos tudo o que nos lembrávamos de inventar. Apenas exigia ordem, porque éramos muitos. À parte isso, ia buscar o céu, se lho pedíssemos...
Decidi. A voz da mãe estava cada vez mais perto, já voltava para casa. Calcei as chinelas à pressa, coisa que já sabemos postiça por ali, no mundo mais pequeno, mas às vezes necessária, enfim, e saí de casa pela porta do outro lado, para não esbarrar com a autoridade.
Saltei o muro, que portão era mentira, de tão atado que estava, e corri para a rua de cima, onde morava o outro portão, mas não vi Zezé... Tinha de estar mesmo zangado, para estar enfiado em casa... Paciência.
Fui caminhando, subindo e subindo, rua afora, compenetrada da minha missão. E de súbito, um toque no ombro... Um amigo, colega do meu pai, fardadíssimo.
Pergunta: que faz a menina aqui???
Resposta: vou ver o Ronco! (sorriso rasgado número um...)
Tu vais o quê??? Mas está a chover, estás de calções... Mas então?! E a tua mãe, sabe?
Sim sim. Mas está em casa... (!...)
Ai!... Vamos lá para casa, vem comigo, que eu levo-te.
Não! Não é preciso – sorriso amarelo número três – a mãe sabe e deixou-me vir – amarelo e desfocado...
E de seguida, sim, esbafori-me sem aviso, rua acima.
Por fim, lá cheguei. Num ápice, infiltrei-me na multidão, não fosse o diabo tecê-las...
E os meus olhos sempre assim, abertos em desmesura, de passeio por aquele espectáculo, ancorada em absoluto fascínio.
Segue-se, então, que lá vi tudo, dancei tudo, berrei ainda mais, pulei e cantei. Desalmadamente, sublinho.
E chorava a lagrimita da ordem, sempre. Também. Pela magnitude do que via. A vida era dali, com residência fixa. Disso, é claro que eu nada sabia. Mas sentia. Mais do que suficiente, portanto.
Depois acabou-se, e já a multidão dispersava. Eram horas de voltar, o final da graça chegara ao mesmo tempo – não era bom o que me esperava... Mas jamais trocaria aquilo pela paz! Nada era mais importante que o Ronco!
Comecei a descer a rua... De repente, um painel ambulante de caras conhecidas... Pois era, com aquilo é que eu não me lembrara de contar. Por ali, a solidariedade tinha nome próprio: a cidade, quase em peso, ia subindo, subindo, enquanto eu descia... Onde ia? A lado nenhum, de especial; estavam, tão somente, coisa pouca, à minha procura...
Ocorreu-me a fuga, mas lembrei-me a tempo que não tinha para onde – tudo conhecido, tudo amigo, zero de esconderijo. De resto, sabia bem que quanto mais fugia, pior era o que sobrava, depois. Para mim, certo.
Rendi-me. E juntei-me a eles. A mãe, sibilante: em casa falamos, menina...
Queria lá saber! A festa, já ninguém ma tirava...
Achava eu, claro. Leviandades de criança... Não querer saber era uma conclusão muito subjectiva e apressada. Quase, quase a chegar a casa, ao virar da esquina, o meu pai... Que estava de serviço e tinha, visivelmente, de lá sido arrancado. Ele e o tal do amigo, à tiracolo...
E agora sim, a coisa estava assustadora. Enfim. Lá fomos todos para casa, cada um à sua, que a romaria era finda.
Zezé, já no quintal, viu-me passar e acenou tristemente. Sabia o que me esperava: castigo de muitos dias. E desta vez, também a palmada a marcar bem a importância do seu ponto de vista unilateral. Inevitavelmente.
É que lá do fundo do meu encanto festeiro, eu não acordara o suficiente para o mundo a sério para perceber que entretanto ficara completamente encharcada, da cabeça aos pés, mascarada de pinto descalço em calções. Pois. Que quando me encontraram, já aquela coisa das havaianas ia longe - naturalmente a mais, para dançar.
O final feliz?
É que durante o exílio dos quintais, Zezé e eu descobrimos de novo a paz!
E, naturalmente, soltámos os prisioneiros.
Ana Vassalo
19-08-2011 – 23:25
Origem das Imagem: "Dead Sand" (globalpost.com)
sábado, 6 de agosto de 2011
EM DIFERIDO, GUITARRAS...
DIÁRIO SEM COMPROMISSO
5 de Agosto de 2011
(A propósito de uma memória: Mário G.)
EM DIFERIDO, GUITARRAS...
Lembro-me daqueles dias de regaço em que chegavas com olhos presos de estrelas e o futuro se apressava.
Sentávamo-nos então ali, do outro lado dos muros e as mãos enredavam-se num só gesto.
Eu, cantava. Trazia palavras de amanhãs sem lei no caderno que tu me roubavas, sorrindo, e dizias pertencer-te.
O canto era de inocência, que criticavas, mas, no fundo, revias-te no meu abraço de menina.
Eu afrontava os lobos com a esperança dos palácios e todos os finais eram meus num lugar de ser feliz.
E depois construia mundos. Onde passeava de braço dado com a justiça, e o pão brotava da terra no momento de ter fome.
Tu agarravas a guitarra e dizias estar na hora de vestir as coisas, as palavras sem eco que acabaras de me tirar.
Não havia horas, o relógio sentava-se em descanso lá à ponta dos segredos e adormecia sossegado.
E nos momentos mais graves, em que falar era urgente, a música apressava-se de obrigações e comparecia certa na esquina de sermos nós a verdade.
“If you were a carpenter
and I were a lady,
would you marry me anyway,
would you have my baby?”,
entoava eu num timbre espécie de Baez mais velha e mais rouca, e tu respondias com um solo desgarrado na guitarra solta de paixão. Depois chegava Hendrix e "Hey Joe", e instalava-se a insanidade.
Chamavas-me... “my pretty american hippie”, só por causa daquele fiozinho de couro em volta da minha testa, que me segurava os cabelos sem freio e mantinha as ideias no sítio, de tão estranhas que eram todas.
Em breve, saída do nevoeiro que era a minha ausência quase permanente, a multidão pousava por ali, os novos e os velhos de olhos arregalados, num ano de ‘72 desafiado, ali, a largar o tédio... E ficavam, iam ficando; o metro lá em baixo a reclamar por audiência e eles ali, já sorrindo, ainda que a cabeça lá fosse abanando de conveniente desaprovação.
No primeiro dia, foi estranho. Eu divertia-me, e para mim tudo não passava de um cantinho de vida onde era possível brincar; depois do nosso “carpinteiro” ir à sua lida, arrancava eu com o homem do meu contentamento, Taylor de seu nome, e cantava o ombro eterno que se oferece ao amigo, “and you know wherever I am”, num estilo bem distante da fonte, quando, sem que eu entendesse de razões, cai uma moeda no estojo da guitarra; e depois outra, e ainda outra, e a malta ali, sem arredar pé, num ir ficando de silêncios procurados no espaço aberto que a música encontrava para todos nós.
(E lá me explicaste, enfim, que era muito normal, o gesto das moedas. E lá acreditei, enfim, porque duvidar de ti era uma história por contar.)
Piscavas-me o olho e mudavas de tema. E era chegado o vento, a soprar respostas. Já a malta se abanava...
“The answer, my friend,
is blowing in the wind”,
mas os teus olhos eram sempre meus, num vôo sem regresso, que gostávamos de ensaiar.
E no final, como que de surpresa e aproveitando aquele mar de gente ali, lá íamos os dois, tão felizes de missão quase cumprida, “buscar” a Natália e o Zé Mário, no sorriso escondido que trocávamos, de quem se pergunta se a mensagem chegaria :
"dão-nos um bolo que é a história
da nossa história sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra para o medo...”
...
Um dia, foste de férias.
Eu, fiquei perdida no mundo, sem ombro, ou guitarra... e de caderno já mudo. Embranqueceu... Lembrava-te, morrendo de esperar: tão bonito, tão sem limites, o cabelo enorme, óculos na ponta displicente do nariz, o apelo da idade algo distante da minha, os livros proibidos a que me apresentavas, o mundo que conquistavas para mim. Mais ele, o teu sorriso feito de luz quando entrava nos meus olhos.
Temerário, sem vestígio de medo, tudo me ensinaste da coragem.
E então não resisti, de esperar. E parti, para um destino na memória de nunca mais te encontrar.
Voltaste, uns meses depois.
Vinhas dar-me a mão, mas eu já não a tinha, a de sempre, que foi tua pelos sonhos. Tinha um outro par, sem poemas, velho de pardo, sem afagos, como as ausências.
Disse-te adeus, sem que nem mesmo o teu olhar parado e sem cor me tocasse.
E lá segui cantando, não por muito tempo, com guitarras outras, amigas. Os meus poemas, que escrevia de aventura, haviam ficado, para sempre, irremediavelmente presos a ti, que me conheceste antes do tempo pesar.
É que foi ali, nesse instante fora de mim em que não soube o teu olhar, que eu entendi que seria sempre assim.
Os anos vieram, e partiram. Chegam, e logo voam. Nada me acrescentam, porque não estou presente, para os receber.
Vou em viagem, algures, por onde o resto de frio, dos ventos mais que não cantámos, jamais me reconheça.
E o amigo que tinhas, e eu também, esqueceu tudo sobre nós. De caminho, apaguei também tudo sobre mim, ainda que fosse inventando na jornada novos votos de ficar, na saúde e na doença. Mas nunca esperei pelo trabalho da morte, demasiado eterna para verdadeira...
...
E sempre que a música me quer, eis que o meu canto regressa, gritando uma saudade de abismos.
Sou feliz, a cada instante de cada nota recuperada. Começo e acabo com a mesma carícia demorada de quem volta à casa há muito abandonada. A multidão está lá, como dantes foi, saída do nevoeiro que é agora só meu e me abriga de cansaços.
E ao soar do último acorde, lá vou, disparada pelas frestas de um desprendimento acarinhado.
Ao longe, os aplausos que se demoram, trazem-me vagamente à ideia uma fitinha de couro, que se desprendeu.
E tu, que me deixaste só quando eu precisava de mundo, surges-me em formato de remorso neste meu tempo que ainda não se cansou de fugir.
Mas gostei de ti. E sei que o sabes ainda hoje.
Apenas, nunca aprendi a amar sem asas de partir.
E é só por isso que não te peço desculpa.
Ana Vassalo
06-Ago-2011 – 00:06
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