"Breaking-point" - autor desconhecido
[Dia-não, este, de um Novembro felizmente ido!
Admiro o dom dos que escrevem - e mais ainda
dos que sentem - a poesia "correcta". Não tenho,
não comprei, esqueci-me de encomendar.
Tenho caneta e papel, o mais das vezes teclado e
écran apenas, e um fundo respirar de fé pela
libertação. A simpatia que habita em mim e me
fotografa o melhor do mundo dispensa a palavra
escrita - a poesia está lá, para ser vivida! É o
dia ácido, ou pior, o dia árido, que carece do
exorcismo em mim - ou de mim. "Não sou nada.
Nunca serei nada. Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do
mundo." (***)]
Apologia do Corte
acredito na importância do borrão preto alastrado,
entornando a folha branca liberta de simetria
e creio no breu mais farto da noite cheia assumida
como buraco negro, de eternidade suspensa,
creio no palavrão sujo e gritado, nos lábios a lassidão
cristalina, do ódio em terramoto
e creio na mancha indiferente do costume desprezado
creio no berro e no adeus, no abandono bem-vindo,
no cigarro, ou na bebida que transmuta a luz solar,
na escusa de um sono operário
de reparos e remendos,
creio no sonho não abraçado,
amarfanhado de afronta,
despedido por inépcia e largado aos contentores
quero a manhã escurecida da surpresa que é indigna
e apagar a luz do olhar que para sempre nos mente,
arrancar a tinta falsa da cabeça que é já velha
e creio que é tempo ganho a solidão festejada
- enlaço na minha mão a arma que é anti-vida,
sou militante do gelo e acredito a tempestade
do mar tão denso em capelo, que é fecho da alvorada
creio em espinhos mortais, na estaca reparadora
da crença prenhe de engodo,
louvo o abismo sem fim ou doutrina de além-vida,
busco na praia perdida o deserto que é ateu,
sou alma de escuridão num gozo sem precedentes
e sou doente de mim, furiosa, amotinada
por ser escrava do futuro, tão surda do que acredito!
anseio p'lo tempo a sós
comigo,
desventrada de nascentes...
Ana Vassalo
10-Novembro-2010 - 23:34
(***) Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), "A Tabacaria".
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