É da tua mão que eu preciso agora. Há momentos, sabes, em que me sinto tão cansado, todos estes dias cheios de palavras que me fogem. Então penso em ti (...) Mas é da tua mão que eu preciso agora. Há momentos em que me farto de ser homem: tudo tão pesado, tão estranho, tão difícil. Eu vou tendo paciência e no entanto, às vezes as coisas magoam, há ideias que entram na gente como espinhos. Não se podem tirar com uma pinça: ficam lá. É então que a cara principia a estragar-se e a gente
dizem
envelhece.
(...)
Gostava
de sorrir assim. Experimentei ao espelho e não é igual. Quer dizer, a boca
curvou-se mas os olhos ficaram fixos, duros. Deixei de sorrir e enchi a cara de
espuma da barba, até ser apenas nariz e olhos. Então sorri outra vez e os olhos
acharam graça e mudaram. Os meus olhos sérios olhavam para os meus olhos
divertidos. Pisquei o esquerdo e o espelho piscou o direito. Lavei a cara,
apaguei a luz, saí. (...)
E
pronto, é tarde. Em chegando ao fim da página acabou-se. Ponho a tampa na
caneta, os cotovelos na mesa e fico a observar a parede. Nem vou reler isto,
mando tal e qual. Prefiro observar a parede, deixar-me impregnar devagarinho
pela essência das coisas. (...)
Se
calhar amanhã telefono-te. Ou regresso ao romance na teimosia dos cães. Penso:
nem que deixe a pele nele hei-de conseguir acabá-lo. (...) Leio a última frase,
continuo. Só por um bocadinho de nada, antes que continue, importas-te de tirar
as batas do carro?
Importas-te
de me dar a mão?
É da tua mão que eu preciso agora
(excertos que escolhi) in «Segundo Livro de Crónicas».
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