É verdade.
E então, reconfirmo: não alimento
ódios, não vislumbro sequer o que sejam, que coisa será essa que
se sente tão carregada de violência – não sei, nunca me
aconteceu.
Já com a indiferença, o assunto é
outro, e essa sim, seguramente que a acarinho se o momento lhe
pertence. Raro, é. Mesmo muito raramente me atinge, mas é certa
quando chega. Não sou, não quero ser, gente de passar
sem ver; tudo para mim é para ser olhado, visto em paixão, como quem diz:
paixão é Vida, no seu registo primeiro e devido.
Mas há incontornáveis, mesmo para os
ingénuos de serviço. Ora sucede que eu ignoro para a vida quem me
trai. É, tanto quanto me conheço, a única agressão que sou
impotente para perdoar.
A traição é identificar o brinquedo no
Outro, essa outra existência que se amarfanha e deita fora como
papel velho e usado que perdeu vida útil. E isso eu nunca soube
processar, sendo o termo correcto “deglutir”. Esclareçamo-nos,
pois, quanto a traições, tal como as vejo: é indiferente a origem,
venham de (suposto) amigo, colega, família, marido, amado.
Mas não o ódio. Nunca. Ser-me-ia
impossível. No momento da descoberta, algo na mente se apaga e a
imagem do agressor escurece, passa a ser-me irreconstituível. Cada
um cada qual e assim sou eu, não por opção, talvez puro instinto,
desconfio – de sobrevivência, dir-se-á, ou antes pelo contrário,
não importa, seguramente não investigarei, por indiferente que se
me afigura, lá está...
E depois, traição não carece de
confirmação: a dúvida prolongada basta, porque o que não se quer
esclarecido explicado fica.
E é então que saio. Sem lugar à
palavra.
Nada de novo, contudo. Estava já dito,
aí para cima: “E acredito em procurar o fim, numa qualquer porta
de saída, logo que a estrada se desvia.”. Tal e qual.
Portanto, é com clareza que reponho:
ao ódio, contraponho um voto de cura, que assino com flores – são
belas, criam contraste...
Disse e não redirei.
A indiferença serve os arquivos
mortos.
Que, no meu caso, seguem de imediato
para ‘scrap’.
E, digo eu, não valerá, de todo, a
pena sonhar com alternativas, regressos, recuos.
Não. São, por natureza, intangíveis,
do meu posto de alcance.
Tenho, desde sempre, um pacto selado a
sangue com o passado: escrevo-o ao minuto, é visível, mas jamais o
revivo.
Traição é a morte a que o Outro nos
condenou dentro de si. É irrelevante se não passou de um momento. Porque é um momento de morte.
E o que está morto, morto permanecerá.
Paz à sua alma.
Ana Vassalo
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