No lugar do costume, cá
estou, aquietada em recolha pela multidão em ruído. Café por
parceiro, amigos em passeio de amores, e muita água de azul. O meu
Tejo posto em frente, na Lisboa que mora em mim. Já ali, rio em
marcha, no outro lado destes escassos dez metros que nos separam.
De tudo o que vivo aqui,
não sei nunca como o dizer, as palavras tornam-se arredias, por inúteis,
num lugar que me conhece de raiz. Tudo o que é preciso para ser Vida
está cá, ao pé de mim. E estende-se pelo olhar sem descanso, mesmo
em frente à confusão, que se desfoca.
Lisboa com Tejo é Casa
feliz, casa minha, memória de todos os pedaços de mundo bom que me
agarrei pelos anos. É dança nos olhos, música em festa, presença
de África já aqui, no imaginário criança que se revive em mim a
cada palmeira, o cais, o espaço largo e branco, a luz alta que pinta
o mundo mais comprido. E o rio que é mar, o Mar tão perto da
verdade que fomos ao primeiro fôlego, o choro primordial.
Lisboa é isto, assim,
que nunca se explica em razão, unidade e diferença, o Tejo quase mar, o mais longe feito aqui, pelos barcos, pela corrente, pela alma solta
em expansão. Lisboa é encontro de Povos em casa boa, e é logo
depois o partir: por isso a saudade, um fado vadio na garganta que anseia
por inconhecido.
É mercador na Tormenta,
que se conquista e paga o pão e apaga o medo, e agarra o mar e logo
é cais, cais da Boa Esperança, encontro de pátrias, de amigo,
esquina de amores.
Lisboa é romance da
noite, com Tejo negro ao fundo e Cais das Colunas em luz, amarela de
pinturas e de artistas em verso, de muitas fugas sem volta e
ausências gravadas no rasto longo das águas de sentir.
É chão de gritos com
sal, em Belém, como é retrato de uma saudade ainda sem nome, dessa
África que um dia nos entrou o coração, e com ela o guarda em
eternidade.
Lisboa canta brancas
casas pequeninas de ser paz, pelo olhar que se encontra com o mais
antigo registo de belo, janela rasgada ao rio, contos de muitas
maravilhas no ar.
É terra molhada de
lágrimas que se evadiram do mar zangado, a vida em entrega total sem
consulta de futuros. É improviso e trabalho, e um descanso tardio
que se inventa pela noite.
E é poema de abrigo,
como é de raiva presa e deglutida, que um dia acorda na força e
cresce na flor das armas. Lisboa é imprevisto, sem agenda ou
calendário, vive ao momento da alma. Um ritmo que se aprende para a
Vida, e nunca mais o mundo será antes, depois dela.
Lisboa é rampa no futuro
que nos espreita, o navio ali em guarda, que conhece o mar profundo,
um que nos pertence sem porquê.
E Tejo é ponte, ponte de
mar que traz o mundo preso ao peito, namoro eterno dos encontros, o
azul que lava e amanhece olhares.
É esse amor que não
sei, que me escrevo para saber, eterna surpresa dos dias que correm
devagarinho na mão aberta ao devir.
Lisboa com Tejo é vida
de branco como crianças, que brinca e cai e tropeça, que levanta e
sorri a lágrima, com o sangue do joelho já esquecido.
É tudo o que não se
arrepende, que vive à flor do abismo com uma asa sempre aberta na
coragem. É a vida que gira e que dança, um sopro de lume na noite,
o dia mais claro do amor, um sossego de mar que dá cama ao rio sem
freio.
Nada e tudo, menos quase.
Lisboa é.
Assume e desafia,acorda no Tejo, oferece-lhe o pé,
em luz se despe e é ousadia,
o beijo de mulher ao Sul:
pele tatuada de Vida,
sem alfabeto ou medida,
que se entontece de Azul.
Ana Vassalo
18-Ago-2013 – 13:22
Lindíssimo o teu texto daquele Domingo, Ana! Adorei!
ResponderEliminarBjs
lol, Xana, só agora, 14 dias depois vi o teu comentário! sorry.
ResponderEliminarobrigada eu, amiga, foi uma manhã bem passada para mim, com os meus cadernos, e é bom saber q tbem vcs gostaram do passeio.
Bj