Estás aí?...
É que não te vejo pela minha casa de recurso há muito tempo... Poderias, sim, andar pelo mundo, ocupado, mas também não te tenho visto por lá, até onde esta alma alcança...
Estou contigo, agora... Ainda. Por isso estou aqui. No tempo que vale um momento... Pelo muito, triste tempo de eternidades, que não estive.
E vou-te sentindo, em pedaços sem aviso, o que os torna mais credíveis, mas...
Sabes que vou e venho. E que fujo, de ti como de tudo, de ser e não ser, no pleno deste talento raro que me concedeste e uso sem cerimónia nem gozo. Jamais aprendi a ficar. Tu sabes.
Será? Poderás reconhecer a angústia de Ser não sendo, tu que não És, porque ser somos nós da tua omnipotente criação, a quem inventaram uma gramática sagrada? Ou não? Não... Distrais-te, sim?
E afinal, estou sim, ausente de ti. Por ora. Sabes que voltarei, tens a chancela do inevitável. E de pai. E eu amo todos os meus pais, sim, os terrenos imperfeitos e tu, que inventaste a perfeição. Há muito que não sei nada dela, também não tenho visto por cá os emissários da dita, sabes?
Estou assim, inacabada pela tua mão.
Depois... Bem, depois não há como sair, conheço mal as tuas portas.
Esquecia-as há muito tempo. Saí uma vez, tão criança e revoltada, e andei pelo mundo concreto, sem rasgos de criação. Fui muito mais infeliz, assim - acho que te empenhaste. E de repente, muitas, tantas luas depois, voltei, inapelavelmente, pelo silêncio da tua cumplicidade numa igreja bela e fria, tão altivamente só quanto eu. Não te falei, mas tu escutaste-me... Senti-te por lá, numa leveza invisível que toca o ar que choramos...
Como te senti tantas outras vezes, em alívio sussurrado na minha mente que informava "não, ainda não é agora"... No hospital, na escola, no mar, e de novo na escola, na maternidade, na estrada... Tão perto e tão longe, não é? Pergunto-te muitas vezes porquê, mas não é suposto questionar insondáveis desígnios, esperançosamente Maiores... que o quê?...
Queres-me cá, mas não sei bem se te percebo... Sabes que preciso da minha casa, aquela que nunca encontrei... que sabe e ensina o sorriso que perdura, a espera e a paz... Sabes mais, que aprendo pouco, que me perco no caminho, pela sede, pela fome de encontrar o que ainda não tem nome por não saber o que procura, mas sabes também que eu acredito que está lá e talvez, apenas talvez, seja só minha a inépcia, no desencontro.
Ou tua a indiferença, medito. Crueldade, será o termo? - já que eu dou às coisas o nome que as coisas têm...
Insistes em abrir uma nesga de outras portas, das tantas que te entreténs a entornar pelo caminho. Onde me sei feliz na entrada, mas donde só enxergo a saída pela fuga, escusa e apressada, tão vertiginosa às vezes, que o estrondo é assustador. Não para ti, que, sentado, deves observar tudo isto com a bonomia de trindade que te assiste.
É que não te entendo, lá está. É muito espírito santo para mim, já sabes que sim - digo-to vezes sem conta mas tu ris-te e viras-me as costas. Depois voltas, mas nunca explicas porquê. Fico-me, então, pelo pai e mais ainda pelo filho. Esse eu reconheço, soube de tudo o que há para Ser e como nós, quase desistiu.
Vejo-te assim, os dois somente um, e imagino-te um poder conquistado pelo conhecimento do infinito, a unidade que se toca, e que é volátil...
E penso-te assim, enorme num Saber de Templo que já foi Carne. E é por isso que voltas. Ou é por isso que eu volto...
Estás aí? Ainda?...
Sei que sim, e não quero saber, entendes? Não te quero no meu mundo, com a tua mão experimentada de acenos, brandindo a luz, a queda, a esperança ou a escuridão... São muitas coisas que pões na mesa do jogo, baralhas e partes, mas não dás. Mandas escolher, em liberdade, como a que é livre nuns olhos vendados...
E por fim, daqui te digo que hoje, em horas demais contado, a tua luz já não me ilumina. Estou presa na noite, onde me perdi há uma vida... Em busca do descanso. Da casa que me falha. Que tu tens fechada e encerra a resposta, que me escondes. Fico a pensar-te...
Como raio posso eu Ser sem descobrir o que sou? Ou o que quero para Ser?
Revelações... Tens?
Eu não, mas não é suposto. Volto depois, um dia destes, com menos desencanto. Sei que estarás aí, como estás sempre. Só não sei se sou eu que te invento... ou se gostas que pense que sim.
Sei que amanheço, depois. E que o meu peito voa, quando falamos os dois...
Ass.: apenas eu.
02-09-2010 - 15:25
Eu não, mas não é suposto. Volto depois, um dia destes, com menos desencanto. Sei que estarás aí, como estás sempre. Só não sei se sou eu que te invento... ou se gostas que pense que sim.
Sei que amanheço, depois. E que o meu peito voa, quando falamos os dois...
Ass.: apenas eu.
02-09-2010 - 15:25