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Foi há dois dias que a minha querida amiga Tania
Estrada Morales, apresentada via net por uma outra amiga querida e
ex-colega, Mónica Brás da Silva (mais uma menina das matemáticas e
programações), me desafiou para uma espécie de parceria: escrever
um poema subordinado ao título de um belíssimo conto seu, um título que eu
adorei. Eis que a minha tarefa está cumprida. Em português, porque é
a minha língua-pátria. ]
image
source: web (edited)
“Las
puertas no se abren si tú no estás”
Quando
voltares, rega o arbusto pequeno que sobreviveu a tua ausência
e se
esconde atrás
do pote grande de barro, lá fora, na entrada.
A
casa está fria de branca chuva, a cal a partir-se de saudade,
enquanto os livros, desbotados
de tempo, vão caindo em folhas soltas
de abandono.
Não
pises as romãs que se esqueceram de resistir. Elas estão vivas,
só
lhes morreu a vontade de serem altas, por não te sentirem chegar.
Agora
dormem, baixinho, por um instante de descanso.
O
gato da rua de trás ainda vem sentar-se no poial da casa ao lado,
para te receber. E sabes, adoptei dois cães. Um já morreu.
Mas a cadelinha segue-me ainda, e parece procurar a tua sombra,
deitada a um canto da porta da rua, em espera, como se um dia
te tivesse conhecido.
para te receber. E sabes, adoptei dois cães. Um já morreu.
Mas a cadelinha segue-me ainda, e parece procurar a tua sombra,
deitada a um canto da porta da rua, em espera, como se um dia
te tivesse conhecido.
E
os discos, empilhados ao lado dos invernos que nos acolhiam em natal,
ainda
acreditam em ti e no som das tuas mãos correndo o velho piano
só para
mim.
O
forno no lar da cozinha fechou-se, de desamparo. Lembra ainda
os
momentos em
que o trazias à vida, para que a tua loucura
me emboscasse a
madrugada, com
pão quente barrado a manteiga
dos céus, aqueles pães pequeninos que
preparavas de surpresa,
para me acordares num quente sussurro de
ternura.
Quando
voltares, pega a chave no canteiro, entra devagarinho e
liga
todos os circuitos em repouso. E quando subires à sala, não
esqueças
aquele
degrau, o terceiro, ferido desses defeitos do campo
que
enumeravas por entre sarcasmo e alegria, de quem se sente por fim
em
casa.
Pousa
o casaco na cama do quarto cá de baixo e deixa os bolsos
à mostra, com
esse papel de poemas a espreitar, para que o descubra
logo que
chegue.
Liga
o aquecedor lá em cima e dá um jeitinho teu no caos
do esquecimento. Já
sabes que entristeço se o surpreendo primeiro.
Há
café, vê no armário sobre a mesa da cozinha, a máquina ainda deve
funcionar, e
não esqueças, põe as bebidas no frigorífico. A noite há-de
recordar-nos sempre, com
vodka e gin e pepitas de romã, chin-chin!,
batata palha com passas
de aperitivo e
caretas de enjoo a rematar,
só para não termos de alinhar pratos.
Monta
o xadrez, que temos uma desforra por cumprir, e depois,
prepara o
carro para
largarmos pela noite.
Senta-te
cá fora, de mansinho, na cadeirinha de verga, que eu hei-de
estar a
chegar.
Jantar
no bar do mosteiro, sim? Melão e presunto com flores de uva
e cereja, gin
tónico a borbulhar, pimentinhos
em azeite, gaspacho,
esporão de vida a rodar e café quente com lua. Na
noite que tudo ouve,
cá fora, histórias de mundo e de nada, a
cisterna, mesmo ao lado,
é
lugar eterno preso a um instante, por um amor certo de acontecer.
A
casa sabe. Sabe de tudo o que esquecemos. E sobe aos meus olhos,
fria,
a
partir-se de saudade.
A
chave afunda-se no tempo. E as portas morrem devagar.
Ana
Vassalo
Jul
2, 2016
Ana, adorei a forma que deste a este convite da Tania.
ResponderEliminarTua poesia, inspirada no conto da Tania, transportou a minha mente com um facilidade e sensibilidade tremenda!
Ate' a foto que escolheste trouxe um toque mistico especial...
Beijo enorme,
Monica
Obrigada, minha querida, sabe bem ler palavrinhas tão boas das amigas. Saudades! Beijo enorme, Mónica.
ResponderEliminarAna gostei muito desta parceria "conto /poesía".
ResponderEliminarA muitas frases lindas nesta poesía
Liga o aquecedor lá em cima e dá um jeitinho teu no caosdo esquecimento.
sabes que entristeço se o surpreendo primeiro.
A riqueza de seu vocabulario da corpo, Ao titulo sentido de meu conto. E como eu lhe agradecou este belo momento,
Amei sua poesia, Que venham novos momentos, onde sua poesia seja um lindo adereco para meu conto.
beijo grande .
Um abraco fraterno
Tania, minha querida, agradeço-te o convite e o belíssimo conto que deu origem a esta parceria. E especialmente o título, que sabes me encantou.
EliminarGrata pelas tuas palavras boas e um grande beijo para ti, amiga. Abraço fraterno também.
Entre sonos( o meu estado natural) deparo-me com algo que há muito esperava: um novo poema que te viesse das entranhas, sejam elas memórias, cinzas de uma braseira apagada há muito, o ontem que regressa mas cabe no mesmo querer de hoje, a esperança das horas empertigadas e felizes ou o amor sempre tão presente nas tuas palavras que fazem com que seja visível cada situação que descreves. É um poema tão presente que até me/nos apetece intervir...vivenciamo-lo, somos intrusos mas damos as mãos e caminhamos contigo sem o tinir das algemas. Escrevi, escrevi porque nunca sei o que escrever quando leio a tua poesia (faz sentido?). É tão boa, tão única que melhor que a poesia é a tua poesia e o facto de conseguires que todos os sentidos se embrenhem nela! Obrigado, amiguinha, por mais um momento de puro êxtase. Beijocas, linda!
ResponderEliminarMeu querido Zé Vicente, já sabes que entro em modo fungante quando me surpreendo com este tipo de comentários teus. Depois tens de me aturar e é bem feita - como verificaste hoje. Obrigada, meu amigo, nem sei que dizer-te a não ser o costume, que a recíproca é sentidamente verdadeira. Beijoca, lindo!
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