Mistral, by Henry Asencio
vento
e de repente rasgam-se cordas nas Eras
os nãos mastigados
a hora incerta de morrer a vida
o pasmo das ausências
o catálogo e a forma
o modelo em fábrica
nas avenidas globais.
e o dia acontece Vivo
no lugar mais perto de dizer Sou
espasmo e desassossego
das âncoras derrotadas no lugar da
espera
a fome a sede e a poesia
o arranhão a sorte o chão
a resistência sem rendição
um aperto de garra uma calçada cega
a venda protectora de embargos
a rima que vive à espreita
a fuga dos nós mais densos
incoerências de acerto
de repente
como que de repente.
e nasce um tempo novo de rumos
as rotas todas possíveis
o bravo passo em ensaio de risco
um barco uma asa e o grito
a enseada sob a escarpa
os olhos da paz em mira
no mais alto pedaço liberto da encosta
o espaço apagado entre ti e entre mim
um nós arrancado ao caminho
o silêncio do beijo solto
da promessa já antiga
as mãos que alcançam
o inverno que se toma
a casa a casa a casa
e o fogo que canta e o cigarro e a
música
o café das entrelinhas
um gin de entregas caladas
o chá dos armistícios
o livro da existência aberto nos olhos
que se esconde na pele e parte e flutua
no inconhecido que se agarra
e de repente quase sempre de repente
o olhar que se desperta.
num instante que se sonhou
a cabeça que se volta
retendo um segundo de mundo
que mira atrás em saída
com o adeus mais vasto dos mares
perdidos
navegando pelas estrelas
adeus meu amor...
um adeus de sempre e de repente
de repente o grande nada
que retém o ar partilhado
a saudade lancinante do futuro
até sempre como nunca como já
de repente nós
e o sal da chuva que bebemos
um dia
outro dia
nas pausas furtivas da noite
que nos juntou
e a vida é de repente
um sopro que se agarra
e grava o corpo de eternidade
sem nome
olha, o sol já se pôs, vês?
dorme, amor, dorme o meu colo de
abismos
de repente já de repente
com a pressa dos milénios que hão-de
ser
dorme o céu que se aconchega
na luz que a tua mão acende
logo depois dos abraços
dizer nós
ah... dizer nós
é dizer eu e dizer tu
de repente aqui
como verdade
de repente além
como finais
Ana Vassalo
03-Ago-2013 – 18:14
"de repente já de repente" o que me leva a dizer após ler o poema: És brilhante!
ResponderEliminarTantos poemas(tão poucos para nós, leitores)que li e a surpresa continua ao descobrir a qualidade superior neles...surpreendes-me a cada post.
Bons ventos existem na sensibilidade que descreve com tanta arte os desencontros, os adeus, o amor espalhado pelo vento em ruas de memórias macias.
Bem-hajas, amiguinha!
:)
ResponderEliminarA reacção já conheces e enfim não foi a melhor mas às vezes acontece comovermo-nos com o carinho dos amigos. Resta-me o quê? Agradecer-te os bons olhos com que me vês e que, sabendo embora q não mereço, me fazem tanto bem. Bem hajas tu, Zé Vicente! Beijo, lindo, muito obrigada.