De viagens que não fiz
Esperei por ti
na volta dos salgueiros
onde o silêncio marca o lugar
do segredo que será voz.
Às cinco da tarde de uma tarde em ponto
exactidão de um abraço interrompido
que regressa em motim
pela retoma dos atrasos.
Esperei o tempo dividido
com todas as declarações do prado
perfeito e aritmético
previsto, como o bater das horas:
no duche das rãs
no uivar da folhagem
no restolhar da cobra
ou final do canto ribeiro
feliz por saber a casa.
E com eles contei tempo
que era de mim e de ti
compasso em descoberta
4 por 4
ou 3 por 3
sei lá, que importa,
acertando pelas pausas
1-2-3, 4 segundos magia
em cânon, harmonia, a voz
o rasgo triunfal da tua presença enfim
no fogo ateado em sinfonia
O passo feito mais perto
que o coração adivinha
sinal de ti a chegar
E o olhar solta a distância
a vertigem de sentir
o beijo a beber da boca
plena de água de saudade
E afinal não vieste.
Segui o rasto universal
como um anúncio de ti
e no entanto perdi-te
a meio de um sul ausente
no sentido das promessas.
De ti chegaram os vultos
certos da escuridão:
o sonho mal acordado.
Sombras apenas...
Em ti a penumbra
do amor que não partiu.
Não vieste, afinal...
E hoje lembro-te assim
itinerário completo
mar, deserto, cristal, vulcão
de viagens tantas que depois não fomos.
Ana Vassalo
18-05-2012 – 23:42