
Françoise Hardy, caminhando o Tempo.
[Exclusivamente escrito com os amigos em mente (onde se inclui
a minha extensa e querida família), reais ou virtuais, que, tal
como eu, sabem muito bem quem são, com mais ou menos
distância, presença ou "discordâncias" passageiras.
A transparência é um "asset" que, neste caso, será apreciado e
praticado pelas partes. Tal como disse, vou, mas volto um dia
destes, menos cansada, esperançosamente reformulada.]
Do Tempo que Desaprendi...
O Tempo não conhece a piedade, a compaixão, o "chá". O Tempo
segue, numa indiferença total que não perdoaríamos a nenhum
humano. Às vezes quero pará-lo, a reter um momento de sabor.
Outras, empurro-o de aflição, por uma aberta para respirar.
Julgamos saber o que somos, ou fomos, temos uma ideia muito
aproximada do que ainda queremos ser, mas o Tempo...
comanda.
Recentemente, recordei Françoise Hardy, "menina" de doce
encanto e mítica elegância, que passeava a voz da serenidade
como sua e escrevia poemas para canções à margem de qualquer
crítica, por mais exigente que se apresentasse a origem. E bela,
ainda por cima, de um bom gosto a toda a prova. Lembro-me da
sua tentativa de suicídio, das notícias que davam conta da sua
extrema magreza, levantando questões que hoje se prendem
com a anorexia. Vivíamos um Portugal solitário, entre outras
coisas que me escuso agora de invocar, e as notícias, as meninas
da minha idade iam buscá-las ao "Salut les Copains" e mais
raramente ao "Jours de France". Não era por acaso: o Francês
era obrigatório desde o 1º ano do Liceu, e uma coisa levava à
outra.
Nesta minha incursão ou revisitação por tais paragens do tempo,
com saudade genuína e legítima - quero lá saber do que se
engendra por aí sobre a saudade, se ela existe, cresce e caminha
por entre e dentro de nós - dei um pulinho a Brel, para sempre
encantada pela genialidade da sua dor, bati à porta de
Brassens, Moustaki, Réggiani e Ferré, e depois pensei:
porque me falta sempre uma mulher nestas minhas
preferências? E claro que, na memória sem
aviso, surgiu de imediato a figura de Hardy. Nestas minhas
deambulações, lembro-me de ter reconfirmado não serem os
temas mais óbvios, de sucesso eterno, os que me encantam, mas
os outros, talvez mais privados, suavemente intimistas, como
"L'amitié" ou "Fais-moi une place", este último verdadeiramente
insuperável, para mim.
O YouTube tem essa característica especial de nos devolver o
Tempo, um certo tempo a contento, da música que soubémos
viver na romagem. Procurei, por entre o encantamento, e lá fui
encontrando diversas prestações, para os mesmos temas, da
minha (e de tantos outros) companheira antiga de momentos
especiais. Foi então que a encontrei, por lá, no Tempo que é hoje,
ou quase hoje - irrelevante... Ainda bela, a voz plena e suave de
sempre, mas fatalmente cheia de Tempo. Cada ruga, cada marca
no seu rosto, aquietado mas dorido, fala do que o Tempo esconde
mas não apaga.
Sonhar, algo a que nos referimos ligeiramente, todos os dias do
Tempo, aqui, e ali, no café, no blogue, na rede, em casa dos
amigos, mas que é muito mais do que uma citação autorizada
pelo génio que escolhemos para dentro das nossas aspas.O sonho
comporta passos de uma vida que talvez nunca venham a ser
caminhados, mas que no momento em que o aventuramos se
acredita como parte dela, dessa vida não andada, ainda, que nos
acena com um saco a abarrotar de promessas. Sonho é a fé da
possibilidade, que inventámos e inventariámos no livro do Deve
e Haver do Tempo. Somos marcha, sempre adiante, marcha
audaz e planetária, no mundo de acreditar.Chamamos-lhe sonho,
como se o pesadelo não ousasse sequer o nome.
E um dia, Tempo andado, cumprido, desalvorado ou prisioneiro,
feliz por momentos, perdido na eternidade, damos por nós assim,
a mentir alegrias que não soubémos. A inventar a felicidade, na
máscara que passeamos no dia a dia da insensibilidade, também
ela travestida de scraps de vida e sabedoria. Porque há que
sobreviver o naufrágio das ideias, a morte da criatividade para a
vida, a subtil passagem do Tempo, obscenamente indiferente,
pelos nossos sonhos.
Num mundo em que ser hipocritamente realizado é chancela de
sucesso garantido, que fabrica heróis desprovidos de neurónios
actuantes mas emissários do discurso aprovado, ser genuíno
quanto a frustrações e passo perdido é registo proibido, sob pena
do Senhor das Categorias, que organiza o sacrossanto "mundo
dos sucessos" de hoje, nos estampar na testa a palavra proibida
- e para sempre nos definir.
Mas, pergunto eu, interessada: o que conta mais, realmente,
uma vez no fim da estrada? As vitórias por fora de nós ou os
sonhos abandonados em favor delas? Ainda não encontrei a
resposta. Continuo, empenhada e esperançosa, a tentar
acreditar e comprovar na prática que a asserção, supostamente
límpida, da máxima "A vida é bela" será sinónimo do sim à
primeira hipótese, mas... não consigo despedir essa ideia
impertinente e impositória de que tudo o que se passa por fora
de nós tem essa particularidade exacta, a de não nos pertencer
jamais, ainda que o nosso sangue esteja lá, na luta insana que
combatemos para o conseguir.
O meu Tempo é todo aquele em que estou. Certo.
Mas este, este é aquele que me lembra que o saldo é decrescente
e tem pressa. Eu, tenho pressa: de ser o meu Tempo inteiro.
E quando a oiço, agora e de novo, do longe dos meus sonhos
efabulados de menina - dos quais cumpri a maioria, pois foi, e
então? - entoando "Fais-moi une Place", não consigo evitar
interrogar-me: onde está ele, o meu lugar? Será que é uma
inevitabilidade humana quem muito procura tardar em achar?
Talvez. Como vou saber? Só tenho este Tempo aqui, a jusante
das respostas.
E com ele caminho. Um dia, bastará - talvez. Por ora, preciso de
mais do que rugas e fronte grisalha - inevitavelmente escondida
- para me cumprir. Dele, do Tempo, quero os dias de claridade,
que acontecem pelo Sol que sei ter sido capaz de acender na
maioria das madrugadas.
Quero o saldo, positivo.
Retiro-me agora, em silêncio, a rever os livros há muito fechados,
de uma contabilidade inexacta. Quando voltar, tudo estará certo
de novo, inequivocamente exacto, porque do Tempo (des)aprendi
eu o essencial: por mais cruel que se apresente, não se toca, não
se arrepende, será sempre assumidamente inconveniente.
Saudade? Tenho sim, e muita: da "Tentação da Inocência", que
ele, Tempo sem referências, nos vai retirando sem, ao menos, a
dignidade de um pré-aviso.
"Fais-moi une place dans tes urgences..."
Falta-me um marcador... É isso, uma agenda e um marcador!
Alguém tem por aí um bloquinho de post-it's?
Ana Vassaloin facebook notes
20-02-2011 - 00:08
Origem das Imagens:
Young Françoise - Blog "Poliglotanalfabeto" (blogspot.com)
Françoise Today - Site "All-over-the-world.com/Françoise Hardy".