Ana Sofia Martinho...
Pela idade da minha
filha, mais coisa menos coisa. Coleguinha de todos os momentos, de
trabalho sem tréguas, gargalhada de ferver, copos à noite, aqui ou
lá, na outra margem, de diversão, sempre juntos, todos, até ao fim.
Amizade genuína, companheirismo. Divertida, generosa, doce. A melhor das colegas, daquela casta genuína, que nos marca.
Ainda há uns 3 anos, em pleno jantar
de Natal, quando um dos meninos do software em on-call recebeu uma
chamada da Banca, e não sendo já colegas há uns largos anos,
imediatamente lamentaste o facto de já não poderes ajudar, como
antes, em que todos se faziam presentes mesmo que não solicitados.
Para entrarmos, de seguida, num longo momento de memórias e saudade.
Eras assim...
Menina da matemática, números e
lógica, programadora de software para complexos sistemas, craque,
dos melhores na tua área, tinhas o mais terno dos olhares nos teus
imensos olhos azuis. E um sorriso feito de coração. Eras amiga a
valer.
Um dia, vindas da margem sul, depois de
uma noite de choco frito, copos, discoteca e karaoke a rematar, tu,
que estavas praticamente em casa mas fizeste questão de nos vir
trazer, a mim e uma outra colega, vivemos mais um daqueles episódios
inesperados que o fim da noite gostava de nos apresentar. Se bem te
lembras, eu fazia parte do grupo que raramente levava carro para
estas andanças, queria, sim, estar sem cuidados de maior e havia
sempre gente boa de serviço para transportar os mal-comportados. Tu?
Estavas sempre na primeira linha.
Segue-se que, no caminho, tivemos de
parar na ponte: estavas mal disposta. Tudo aflito, que é que
fazemos, conduzo eu agora, que é que tens?, e tu... voilà, dedos à
boca, problema pragmaticamente resolvido. E lá seguimos, como se
nada fosse, em retoma de cavaqueira e gargalhada. Ficaste melhor, lá
veio a cantoria também. Lembro que, quase a chegar, gritava eu,
desalmada, em face da velocidade que te animava, “Sofia, tens de
virar, o túnel não, não!, é à esquerda, Sofia, nem sei onde vai
dar o túnel, vira!”; e tu, “na boa, não stresses, Ana”, vá
de te enfiares túnel adentro, 5 da manhã, aqui vamos nós rumo a
sabe-se lá que planeta, tudo sem pio. E afinal, resolveu-se, pois
claro, era bem mais simples do que parecera: inversão de marcha,
caminho retomado.
Como programadora, eras uma das eternas
almas quase sempre presentes naquilo a que chamávamos “O Turno da
Noite” - Elsinha, Fátima, eu, mais uns quantos workaholics
comerciais e programadores, e tu, claro, tantas vezes, quando não
estavas nos clientes, pois mesmo que não chamassem ias ficando.
Acabávamos por ir ficando, e ficando, tal era o vício de
trabalharmos juntos.
A companhia era divertida, a loucura
instalava-se por volta das 2 da manhã, café na cozinha/bar, pernas
esticadas em cima da mesa, conversa da treta para acordar, meia-hora
de relax; lá pelas 5 íamos até Alcântara, ao Caldo Verde, onde
já nos conheciam, voltávamos; pelas 7 e tal fazíamos uma breve
corrida de cadeira de rodízios que encantava a brigada das limpezas,
dormíamos depois no sofá da recepção uma boa meia-hora - eu, por
exemplo, tinha sempre uma providencial muda de roupa e iniciei aquela
moda de tomarmos duche nas instalações do Suporte Técnico - e
seguíamos, frescas e airosas, para mais um dia de trabalho.
Vantagens e desvantagens dos horários flexíveis, que
rentabilizávamos da melhor maneira que conheciamos. A criar momentos
para uma vida.
Porque é tudo isto que não se
esquece, aquilo que não voltei a ter depois, em empresas nacionais,
onde não mais encontrei este conceito de equipa de trabalho, bem
pelo contrário.
Hoje é um dia terrível para nós,
Sofia. Para mim, que estou para aqui, incrédula, mergulhada em
tristeza e desânimo. Sei que o sabes, a tua alma pura fazia-se de
acreditar.
Já só nos encontrávamos nos jantares
de Natal, todos nós, que as vidas acidentadas por motivos tão
diversos mais não permitiam. Mas era sempre igual, como se nos
tivéssemos visto ontem. E mais a tua ternura, imutável, para com
todos os teus colegas (ex-colegas, é verdade) que vias, tal como eu,
como amigos de longa data.
Não é fácil encontrar uma equipa
assim mas nós fomos tudo e muito mais, uma imbatível equipa de
amigos que por acaso até trabalhavam juntos. Anos e anos a fio. Sem
concorrência.
A mensagem que o Rui nos
enviou é de tudo isso testemunha.
E sei que também Angola vai sentir a
tua perda. Maldita malária, ano maldito.
Nós, nós estamos aqui, Sofia, à
espera que regresses, para aquele beijo especial que nos falta.
Vou ter tantas saudades tuas, minha
querida, dos teus “beijinhos, Ana!” acompanhados da foto, ao
lado, com o teu sorriso bom, sempre presente no dia do meu
aniversário; dos risos, abraços e loucura no jantar de natal.
No último, tiveste azar, lembras-te
certamente melhor do que nós: partiram-te os vidros do carro, perto
do Café In. E tudo o que tu lembravas e nos escrevias, dias depois,
era que “parecíamos a velha equipa de sempre, todos juntos até ao
fim, ninguém arredou pé!”. Mas então, Sofia, podia ser de outra
maneira? Assim será, onde quer que seja.
Foi há pouco que percebi. O céu está
hoje tão mais bonito!
Até já, minha querida, espera por mim.
__________________
Tu já não estás, foi o Rui que nos contou, assim. Entendes que continuamos todos juntos, não é? Pois é, Sofia querida, tu sabes. E hoje, mais do que nunca, sei que a Vida é só um instante. Onde os Amigos fazem toda a diferença. Obrigada por tudo.
« Rui
Fernandes:
Meus queridos amigos e amigas,
Venho a vós não pelos motivos mais agradáveis, mas penso que
todos gostariam de ter conhecimento do sucedido. A nossa colega e
amiga Sofia Martinho, infelizmente faleceu ontem, sexta-feira, em
Luanda. Estão a ser tomadas todas as medidas necessárias para a
transladação para Portugal e logo que tiver mais noticias
dar-vos-ei nota disso.
Penso que em tempos todos juntos formamos uma equipa imbatível e
onde também reinava uma amizade. A Sofia esteve sempre presente e a
todos com certeza marcou de alguma forma pelo que acho que devemos
prestar-lhe uma ultima e merecida homenagem.
Abraço Forte para todos. »
Ana Vassalo
Apr 30, 2016
sobre 29-04-2016